As empresas que adotam o padrão internacional de contabilidade e aquelas que publicam seus balanços pelo padrão americano finalmente terão Faturamento perfeitamente comparáveis. Na semana passada, o Iasb, responsável pela elaboração das regras contábeis do IFRS, e o Fasb, que rege o U.S. Gaap, chegaram a um consenso sobre as regras para reconhecimento de receitas, encerrando um debate que se arrastava há mais de dez anos.
As novas normas devem começar a vigorar apenas em 2017, para balanços referentes ao exercício anterior. O maior impacto será em segmentos que vendem pacotes de serviços, como telefonia e softwares, e naqueles que trabalham com contratos de longo prazo, como o de Incorporação imobiliária e construção pesada. Mas especialistas apontam que o maior rigor para divulgações em notas explicativas sobre o tema deve demandar um esforço maior para todo tipo de negócio.
A percepção era de que o padrão americano era muito detalhista em relação ao assunto, com orientações que se chocavam entre si. O IFRS, por outro lado, era considerado vago.
O novo padrão estabelece que devem ser seguidos cinco passos para determinar quando e como uma receita deve ser reconhecida. Primeiro deve ser identificado o contrato que a companhia tem com o consumidor e, depois, as obrigações de desempenho junto ao cliente. Em seguida, ocorre a determinação do Preço da transação, com alocação de valor para cada obrigação em separado. O reconhecimento de receitas só ocorre conforme cada uma dessas obrigações for cumprida.
O passo a passo pode parecer simples, mas o problema são as exceções – que agora estão contempladas em um documento de mais de 300 páginas. “Os conceitos que estão na nova normas já estavam por trás das regras antigas do Iasb. Para o Brasil, tem se falado em grandes mudanças, mas o que vai ocorrer é apenas uma liberdade menor para interpretações livres da regra”, afirma Eliseu Martins, professor de contabilidade da FEA-USP.
Um dos pontos esclarecidos foi o caso de produtos com preços variáveis. Paul Sutcliffe, sócio-líder de IFRS da EY, cita o exemplo de prestadoras de contratos de transporte, que tem o Preço atrelado ao valor do combustível. A regra anterior não deixava claro se essa receita Variável poderia ser contabilizada ao longo do contrato.
Agora, a empresa pode estimar qual a chance de efetivamente receber o adicional. Caso a fatia extra seja “altamente provável”, é possível reconhecê-la previamente. “Isso ocorrerá em casos em que há uma série histórica. Eventuais diferenças podem ser diferidas ou acrescentadas mais à frente. Sem histórico, a parte Variável só será contabilizado quando, de fato, ocorrer”, explica Sutcliffe.
Outro tema relevante diz respeito ao reconhecimento de receita em contratos nos quais o serviço é prestado ao longo do tempo. A nova norma atesta que as receitas só poderão ser reconhecidas gradualmente, no modelo conhecido como “percentual de conclusão” (POC, em inglês), se atenderem a três condições: o trabalho realizado pela vendedora não cria um ativo com uso alternativo para a entidade, se ela tiver direito a receber pela obrigação cumprida até aquela data e se ela espera cumprir o contrato conforme prometido.
Para especialistas, isso não deve trazer grandes mudanças para as empresas de construção pesada, já que, em geral, pontes, estradas e grandes obras são feitas sob encomenda. “É possível que haja concentração das receitas mais no começo ou no fim do contrato, com a quebra em Serviços de terraplanagem e asfaltamento, por exemplo. Mas nada que afete muito o resultado”, diz Ramon Jubels, sócio de auditoria da KPMG.
A polêmica maior diz respeito às incorporadoras imobiliárias, já que, em caso de cancelamento por parte do cliente, em geral, o imóvel residencial pode ser repassado. Isso deve trazer de volta o debate sobre se a contabilização das receitas pode ser gradual ou se deve ocorrer apenas no momento de entrega das chaves.
O Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) autorizou a utilização do POC para as empresas de construção apenas recentemente, em um dos debates mais longos da transição para o IFRS. “O CPC terá que se debruçar novamente sobre esse assunto para avaliar a viabilidade da aplicação da nova norma para os padrões que utilizamos por aqui”, diz Sutcliffe, da EY. Para Jubels, da KPMG, as empresas terão de fazer um pente-fino nos diversos tipos de contratos.
A norma traz também uma novidade no que diz respeito ao reconhecimento de despesas. Agora, em determinados casos, as empresas poderão reconhecer gradualmente custos adicionais que tiveram para obtenção de um contrato. Martins, da FEA-USP, usa o exemplo de uma empresa de construção, que tem de fazer estudos de viabilidade e contratar advogados para participar de uma licitação.
Hoje, essas despesas são imediatamente reconhecidas, o que diminui o lucro, já que a receita só é entra mais à frente. Com a nova norma, há a possibilidade de reconhecer essas despesas adicionais conforme a contrapartida na receita for apurada.
Entre os especialistas, o consenso é que a nova norma vai demandar muito mais atenção na elaboração das notas explicativas. O padrão Demanda um detalhamento muito maior do tratamento dado as receitas, com orientações para as operações que não foram previamente tratadas e abertura maior para contratos de múltiplos elementos. “Enquanto tem havido um esforço relevante para diminuir a quantidade de notas explicativas, a nova norma fará com que os balanços continuem a crescer”, diz Sutcliffe, da EY.
Fonte: Conselho Federal de Contabilidade