Além do inédito adiamento do balanço da Petrobras, a temporada de balanços do terceiro trimestre deste ano foi marcada por resultados fracos. O cenário macroeconômico desfavorável, com dólar, juros e inflação em patamares altos e desaceleração da atividade, fez com que muitas empresas reportassem prejuízo ou queda do lucro. No período, de 154 empresas de capital aberto, 81, ou 53% do total, registraram, na última linha do balanço, números piores que os verificados no terceiro trimestre do ano passado. Destas 81 companhias, 41 tiveram queda no lucro líquido, 27 reverteram o lucro obtido um ano antes para prejuízo e 13 aumentaram o prejuízo.
“O cenário macroeconômico ruim afetou fortemente o resultado de diversas companhias”, comenta Daniel Utsch, head da área de análise da Fator Corretora. Em sua avaliação, o cenário interno adverso pesou mais nos números de julho a setembro das empresas brasileiras, enquanto questões globais influenciaram os resultados de companhias ligadas a commodities, como é o caso da Vale.
O preço mais baixo do minério de ferro no mercado internacional afetou o resultado da mineradora, que reportou prejuízo líquido de US$ 1,437 bilhão no terceiro trimestre deste ano - o maior entre as companhias brasileiras de capital aberto -, ante um lucro de US$ 3,502 bilhões no mesmo período do ano passado. O resultado negativo, entretanto, também foi consequência do impacto das variações cambiais e perdas monetárias em dívidas e derivativos devido à depreciação do real em relação ao dólar. Ante o segundo trimestre, a taxa ptax subiu cerca de 11%; em um ano, a alta foi de aproximadamente 10%.
O excesso de oferta e a baixa demanda por aço, sobretudo no mercado interno, por sua vez, prejudicaram os resultados das siderúrgicas, que também passaram a repensar seus projetos em mineração. Usiminas e CSN registraram prejuízo, enquanto o lucro da Gerdau caiu 59%. O câmbio também foi responsável por números ruins no setor. O resultado financeiro da Usiminas, por exemplo, ficou negativo em R$ 232,5 milhões, 97,9% maior que no terceiro trimestre de 2013, principalmente em decorrência do câmbio.
O vice-presidente técnico do Conselho Regional de Contabilidade do Estado (CRC-RS), Paulo Alaniz, lembra que o período eleitoral também contribuiu para que a atividade econômica fosse mais lenta no período e, por isso, afetasse o desempenho das empresas. “Eleição sempre pesa na conjuntura econômica, ainda mais neste ano, que tivemos uma das eleições presidenciais mais disputadas da história”, destaca. Nesse sentido, Alaniz enfatiza que os investidores ficaram mais cautelosos, aguardando as definições dos governos para planejar suas ações.
Henrique Kleine, analista da corretora Magliano, segue linha semelhante à de Alaniz. “O ambiente de incertezas na economia contribuiu para que os empresários adiassem investimentos”, comenta. A Tegma Gestão Logística investiu R$ 7 milhões no terceiro trimestre do ano, 53,3% menos do que os R$ 15 milhões investidos no mesmo período do ano passado.
Os investimentos (capex) da Telefônica Vivo somaram R$ 1,558 bilhão no terceiro trimestre, montante 16,5% inferior ao reportado nos mesmos meses do ano passado.
Cresce o endividamento
Algumas empresas exportadoras, apesar de o dólar em patamar mais alto beneficiar as vendas externas, também tiveram impacto dessa valorização em suas dívidas na moeda norte-americana. No setor de celulose, o resultado da Fibria ao final do terceiro trimestre de 2014, com prejuízo de R$ 359 milhões, foi impactado diretamente pela desvalorização do real ante o dólar. Segundo o presidente da empresa, Marcelo Castelli, ao excluir o efeito cambial, a Fibria teria lucro de R$ 94 milhões no período.
Além do dólar, os juros elevados também aumentaram o endividamento de várias empresas, caso da CCR, cujo lucro líquido caiu 14,2% no terceiro trimestre deste ano na comparação anual. O principal item que pesou no resultado financeiro foi o Juros sobre empréstimos, financiamentos e debêntures, cuja despesa cresceu 58,5%, indo para R$ 235,7 milhões. Conforme destacou a CCR, o aumento se deve ao maior saldo de dívida indexado ao CDI, que avançou 25%, além da maior taxa Selic média de 10,9% no terceiro trimestre deste ano, em comparação com os 7,5% em igual etapa do ano passado.
Até mesmo a Copa do Mundo, realizada entre junho e julho, acabou impactando os negócios, principalmente os ligados ao varejo. “Setores que vinham demonstrando resiliência, como os de shopping centers, foram afetados negativamente neste trimestre”, comenta Utsch, da Fator. A este cenário, somam-se crédito mais caro, inflação maior, maior endividamento das famílias e queda da confiança do consumidor.
No setor de shopping centers, a BrMalls teve prejuízo líquido de R$ 8,060 milhões. A empresa registrou crescimento de 4,4% no indicador de vendas das mesmas lojas, queda de 3,7 pontos percentuais ante igual período do ano passado. Para o quarto trimestre, Daniel Utsch e Henrique Kleine não esperam resultados muito diferentes, por conta da manutenção do ambiente de incertezas em relação à economia doméstica.
Bancos e educação se destacaram no período
Em meio a um cenário econômico desafiador, o setor que mais se destacou positivamente na safra de balanços do terceiro trimestre do ano foi, mais uma vez, o financeiro, com destaque para os grandes bancos e seguradoras, beneficiados pela manutenção dos juros em dois dígitos, entre outros fatores. A exemplo de trimestres anteriores, empresas de educação também reportaram resultados fortes, favorecidas especialmente pelos incentivos governamentais.
Levantamento realizado pela consultoria Economatica mostrou que o setor bancário, representado por 25 instituições, é o que apresentou o melhor resultado no terceiro trimestre entre as companhias de capital aberto. O lucro líquido acumulado por essas instituições foi de R$ 14,7 bilhões no período, o que representa crescimento de 17,68% na comparação anual.
Para Henrique Kleine, analista da corretora Magliano, os resultados dos grandes bancos, especialmente Itaú Unibanco e Bradesco, superaram as expectativas. “As instituições financeiras têm demonstrado versatilidade para seguirem rentáveis, apesar do arrefecimento do crédito”, afirma. Ele cita como uma das estratégias o direcionamento do crédito a pequenas e médias empresas, reduzindo a exposição a pessoas físicas, cuja taxa de inadimplência é maior.
Os juros altos também beneficiaram as seguradoras, que têm maior retorno em suas aplicações financeiras. BB Seguridade, por exemplo, teve lucro líquido de R$ 822,279 milhões no terceiro trimestre de 2014, expansão de 50,10% em 12 meses, enquanto Porto Seguro lucrou R$ 232,3 milhões, alta de 32,9%.
Outra vedete entre as empresas de capital aberto continua a ser a área de educação, com companhias registrando resultados fortes, principalmente em função dos incentivos do programa de financiamento estudantil do governo federal. O lucro da Kroton subiu 108,5% na comparação anual, superando as expectativas de analistas, o da Estácio, 54,1%, e o da Ser Educacional, 122,1%.
No setor de farmácias, chamaram a atenção de analistas os números da Raia Drogasil. “A empresa vem crescendo bastante com a abertura de lojas”, afirma Daniel Utsch, head da área de análise da Fator Corretora. O lucro líquido da companhia subiu 265% entre julho e setembro deste ano sobre igual intervalo do ano passado, para R$ 67,9 milhões.
Em alimentos, o resultado da JBS foi outro que surpreendeu, com alta de quase 400%, para R$ 1,093 bilhão, acima das estimativas de analistas, beneficiada pelo aumento de 48% nas exportações consolidadas.
Por outro lado, com o preço da energia mais caro no mercado à vista, os resultados das empresas do setor elétrico foram variados. A Eletrobras registrou o segundo pior resultado no terceiro trimestre, atrás da Vale, com prejuízo líquido de R$ 2,738 bilhões, 199% superior ao do mesmo período do ano passado, causado, entre outros fatores, pela energia elétrica comprada para revenda no montante de R$ 3,135 bilhões no período.
Fonte: Jornal do Comércio - RS