Em vigor há seis meses, a lei federal que pune empresas por atos de corrupção não foi regulamentada até hoje. Sem essa regulamentação, e com pouco tempo de vigência, a chamada Lei Anticorrupção ainda não “pegou”: levantamento do GLOBO nos Ministérios Públicos Federal e estaduais, na Procuradoria Geral da República e na Controladoria Geral da União (CGU) mostrou baixo número de investigações baseadas na nova legislação, e ainda nenhuma punição. Apesar disso, o governo federal assegura que o texto já está mudando a postura das empresas, pois prevê multa alta — alcança até 20% do Faturamento bruto — e não depende da Justiça para ser aplicada. De número 12.846/2013, a lei passou a responsabilizar pessoas jurídicas por atos de corrupção; até então, só pessoas físicas eram punidas.
— De efeito prático, não aconteceu praticamente nada. Ainda não tenho notícia de processo que tenha punido empresas com base na lei. E isso muito porque ela ainda precisa ser regulamentada, por decreto federal. O tamanho da pena para a empresa, por exemplo, é proporcional à capacidade dela de evitar atos ilícitos, à existência de instrumentos de controle interno na empresa. Como medir essa capacidade, como avaliar esse controle interno é o que estará na regulamentação — diz Pierpaolo Bottini, professor de Direito da USP, ex-secretário de Reforma do Judiciário e autor do livro “Lavagem de dinheiro”. — No início do ano, a CGU informou que haveria uma minuta do decreto na Casa Civil.
Eleições afetaram andamento
A minuta continua na Casa Civil: segundo o ministro da CGU, Jorge Hage, o decreto, pronto há alguns meses, está na Casa Civil para avaliação; para passar a valer, depende da assinatura da presidente Dilma Rousseff. Secretário-executivo da CGU, Carlos Higino Ribeiro de Alencar diz que o governo decidiu não levar o debate adiante por enquanto por causa do período eleitoral.
Estados e municípios também esperam pela regulamentação federal para fazerem suas próprias regulamentações. Tocantins foi o primeiro estado a regulamentar o texto, em dezembro; além dele, atualmente, o estado e a Capital de São Paulo também fizeram suas regulamentações.
Para o secretário-chefe da Controladoria Geral de Tocantins, Ricardo Eustáquio, a lei, por enquanto, “é quase inócua”.
— Como a maioria dos estados e municípios está aguardando a regulamentação federal, ainda não definiram quem, dentro das suas estruturas, vai ser responsável pelos processos administrativos. Foi o que definimos na nossa regulamentação. Além disso, casos envolvendo empresas internacionais são competência da CGU, então precisam da regulamentação federal também — lembra Eustáquio, afirmando que TO abriu dois processos baseando-se na nova legislação.
— A falta de regulamentação abre margem para discussões sobre a punição. Na prática, a lei não está sendo aplicada — diz Claudio Abramo, diretor-executivo da Transparência Brasil.
A CGU afirmou ainda não ter nenhuma investigação baseada na nova lei, pois as irregularidades investigadas atualmente ocorreram antes dela — e a legislação prevê punição apenas para os casos ocorridos a partir da sua aprovação.
O MPF no Pará, que fez busca no sistema do MPF em todo o país, identificou dois processos em que a lei foi citada, mas de forma marginal. Em nenhum dos casos, ela serviu para embasar o pedido de condenação. O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios disse ter feito quatro denúncias em que a lei foi citada; em três, ainda não houve decisão (na outra, em liminar, o juiz decretou indisponibilidade de bens, mas com base em outra lei). No Ceará, o promotor Ricardo Rocha afirmou ter passado a requerer aplicação da nova lei em todas as ações civis públicas na área de patrimônio público que envolvem empresas. Outras unidades do MP estadual informaram não terem identificado ações com uso da lei.
Empresas se preparam
Apesar da falta de regulamentação, empresas já começaram a se preparar para as novas sanções, diz Mario Spinelli, controlador do município de São Paulo, que regulamentou a lei em maio:
— Empresas começaram a ter cuidado com quem subcontratam. Caso uma subcontratada seja inidônea ou pratique corrupção, ela passa a ser responsável também — diz Spinelli, que lamenta o fato de a lei não abarcar o caso das empresas que pagaram propinas a fiscais de ISS, já que ele ocorreu antes dela.
— Embora ainda sem aplicação prática, a lei “pegou” por começar a criar essa cultura ética — acrescenta Pierpaolo Bottini.
O presidente do Instituto Ethos, Jorge Abrahão, fala em “grande movimento” de empresas que procuraram o Ethos para tratar de ações internas de ética:
— São empresas que até então não estavam nessa agenda.
Fonte: O Globo